Dossier

water and landscape
AGUA y TERRITORIO

Por uma análise da fisiologia da paisagem aplicada ao Pontal do Paranapanema

Por una análisis de la fisiología del paisaje aplicado al Pontal do Paranapanema

Messias Modesto dos Passos

Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Presidente Prudente/SP. Brasil
mmpassos86@gmail.com

ORCID: 0000-0002-0360-7612

Diogo Laércio Gonçalves

Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Presidente Prudente/SP. Brasil
diogo.goncalves@unesp.br

ORCID: 0000-0002-0647-6283

Juliane Maistro

Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Presidente Prudente/SP. Brasil
julianemaistro@gmail.com

ORCID: 0000-0003-4656-0399

Informação sobre o item

Recibido: 17/06/2022
Revisado: 03/05/2023
Aceptado: 15/07/2023

ISSN 2340-8472

ISSNe 2340-7743

DOI 10.17561/at.23.7234

CC-BY

© Universidad de Jaén (España).
Seminario Permanente Agua, Territorio y Medio Ambiente (CSIC)

RESUMO
O objetivo do trabalho e fazer uma análise da fisiologia da paisagem na região do Pontal do Paranapanema, especificamente na bacia do ribeirão Santo Antonio, seguindo três objetivos básicos: levar à compreensão da organização, do funcionamento e da dinâmica das paisagens, enfatizar o estudo e a análise integrada dos elementos constituintes das paisagens; compreender e discutir conceitos, leis e influências das ações antrópicas. Optamos por uma tipologia dinâmica que classifica os geossistemas em função de sua evolução. Ela leva em conta três elementos: sistema de evolução, estágio atingido em relação ao clímax, sentido geral da dinâmica, inspirada na teoria de bioresistasia de Erhart. Foram distinguidos dois tipos de geossistemas agrupados em dois conjuntos dinâmicos diferentes. As análises das imagens satelitares, fotografias e observações sobre o terreno, ajudam na explicitação dos processos evolutivos.

PALAVRAS-CHAVE: Fisiologia da paisagem, Pontal do Paranapanema, Bacia do ribeirão Santo Antônio.

RESUMEN
El objetivo de este trabajo es analizar la fisiología del paisaje en la región del Pontal do Paranapanema, específicamente en la cuenca del río Santo Antonio, siguiendo tres objetivos básicos: conducir a la comprensión de la organización, funcionamiento y dinámica de los paisajes, enfatizar el estudio y el análisis integrado de los elementos constitutivos de los paisajes; comprender y discutir conceptos, leyes e influencias de las acciones antrópicas. Optamos por una tipología dinámica que clasifica los geosistemas según su evolución. Tiene en cuenta tres elementos: sistema de evolución, etapa alcanzada en relación al clímax, sentido general de la dinámica, inspirado en la teoría de la biorresistencia de Erhart. Se distinguieron dos tipos de geosistemas agrupados en dos conjuntos dinámicos diferentes. Los análisis de imágenes de satélite, fotografías y observaciones sobre el terreno ayudan a explicar los procesos evolutivos.

PALABRAS-CLAVE: Fisiología del paisaje, Pontal do Paranapanema, Cuenca del río Santo Antonio.

For an analysis of landscape physiology applied to Pontal do Paranapanema

ABSTRACT
The objective of this work is to analyze the physiology of the landscape in the Pontal do Paranapanema region, specifically in the Santo Antonio river basin, following three basic objectives: to lead to an understanding of the organization, functioning and dynamics of landscapes, to emphasize the study and the integrated analysis of the constituent elements of landscapes; understand and discuss concepts, laws and influences of anthropic actions. We opted for a dynamic typology that classifies geosystems according to their evolution. It takes into account three elements: system of evolution, stage reached in relation to the climax, general sense of dynamics, inspired by Erhart's theory of bioresistance. Two types of geosystems grouped into two different dynamic sets were distinguished. The analyzes of satellite images, photographs and observations on the ground help to explain the evolutionary processes.

KEYWORDS: Landscape physiology, Pontal do Paranapanema, Santo Antônio river basin.

Pour une analyse de la physiologie du paysage appliquée à Pontal do Paranapanema

RÉSUMÉ
L'objectif du travail est de réaliser une analyse de la physiologie du paysage dans la région de Pontal do Paranapanema, plus précisément dans le bassin du fleuve Santo Antonio, en suivant trois objectifs fondamentaux : comprendre l'organisation, le fonctionnement et la dynamique des paysages, pour mettre l'accent sur l'étude et l'analyse intégrée de deux éléments constitutifs des paysages ; comprendre et discuter des concepts, des lois et des influences des actions anthropiques. Nous avons opté pour une typologie dynamique qui classe les géosystèmes en fonction de leur évolution. Elle comporte trois éléments : système d'évolution, stade atteint par rapport à l'apogée, sens général de la dynamique, inspiré de la théorie de la biorésistance d'Erhart. Foram a distingué deux types de géosystèmes regroupés dans deux ensembles dynamiques différents. L'analyse d'images satellites, de photographies et d'observations au sol, permet d'expliquer deux processus évolutifs.

MOTS-CLÉ: Physiologie du paysage, Pontal do Paranapanema, Bassin fluvial de Santo Antônio.

Per un'analisi della fisiologia del paesaggio applicata al Pontal do Paranapanema

SOMMARIO
L'obiettivo del lavoro è quello di effettuare un'analisi della fisiologia del paesaggio nella regione del Pontal do Paranapanema, in particolare nel bacino del fiume Santo Antonio, seguendo tre obiettivi fondamentali: acquisire una comprensione dell'organizzazione, del funzionamento e delle dinamiche dei paesaggi, per sottolineare lo studio e l'analisi integrata di due elementi costitutivi dei paesaggi; comprendere e discutere concetti, leggi e influenze delle azioni antropiche. Abbiamo optato per una tipologia dinamica che classifica i geosistemi in base alla loro evoluzione. Ha tre elementi: sistema evolutivo, stadio raggiunto rispetto al climax, senso generale della dinamica, ispirato alla teoria della bioresistenza di Erhart. Foram ha distinto due tipi di geosistemi raggruppati in due diversi insiemi dinamici. L'analisi delle immagini satellitari, delle fotografie e delle osservazioni a terra, aiutano a spiegare due processi evolutivi.

PAROLE CHIAVE: Fisiologia del paesaggio, Pontal do Paranapanema, Bacino del torrente Santo Antônio.

Introdução

Se analisarmos a história do homem e a evolução da sociedade moderna, desde os primórdios, existe uma preocupação em particular de descrever as paisagens em cenas e cenários em cada uma das épocas vividas seja por figuras rupestres, as obras de arte, as peças de teatro clássicos, a poesia, a arquitetura, a música, dentre outras expressões culturais que remetem uma aproximação do homem com o ambiente vivido.

Esta cognição própria do homem, somado ao imaginário das obras literárias tem como intuito articular e desenvolver todos os sentidos de percepção, ao passar os elementos principais das paisagens para que esta não se perdesse. Neste contexto, a paisagem torna-se um conjunto indissociável entre as ações da sociedade e o espaço geográfico: é a transcrição materializada da relação sociedade e natureza.

O termo paisagem deriva-se da palavra latim pagus a qual refere-se a país, no sentido de lugar ou porção territorial. A partir dessa terminologia, derivou-se as outras formas: paisagem (português) paisaje (espanhol), paesaggio (italiano), paysage (francês) dentre outras. Já as línguas germânicas, tem-se uma clara semelhança na estrutura semântica da palavra paisagem a partir da palavra land o qual corresponde a porção de terra ou região, daí deriva-se as palavras: landscape (inglês), landschaft (alemão), landschap (holandês) e etc. A possibilidade de deslocamentos mais rápidos, as epopeias coloniais, a aparição e a difusão da fotografia, o papel da imprensa, o acesso aos romances de aventuras ou regionalistas, a tomada de consciência das agressões das quais as paisagens são vítimas etc., levam à tomada de consciência coletiva da noção comum de paisagem1.

A partir do século XIX, o termo paisagem é profundamente utilizado em Geografia e, em geral, se concebe como o conjunto de “formas” que caracterizam um setor determinado da superfície terrestre. A partir desta concepção que considera puramente as formas, o que se distingue é a heterogeneidade da homogeneidade, de modo que se podem analisar os elementos em função de sua forma e magnitude e, assim, obter uma classificação de paisagens: morfológicas, vegetais, agrárias etc. Esse conceito de paisagem foi introduzido em Geografia por A. Hommeyerem mediante a forma alemã Landschaft, entendendo exatamente por este termo, o conjunto de elementos observáveis desde um ponto alto.

A Geografia sempre utilizou a paisagem como uma ferramenta de observação e de hierarquização dos fenômenos espaciais, sem que, aliás, verdadeiros consensos metodológicos acontecessem ou fossem impostos sobre níveis pertinentes de análise. No entanto, a paisagem, sobretudo considerada no seu aspecto dinâmico de “processos paisagísticos” deve ser estudada como um “polissistema” formado pela combinação dos sistemas natural, social, econômico, cultural etc.

Para abordar a paisagem adotamos três entradas: materialidade, sensibilidade e representação. Esse posicionamento, conhecido como Tripé Paisagístico deixa, de acordo com os questionamentos iniciais, com a realidade da região de estudo e com os objetivos, a liberdade de privilegiar mais ou menos cada uma das entradas. Porém, é na sua utilização completa que ela atinge de maneira mais eficaz seus objetivos.

A paisagem se presta, entre outras finalidades, para enraizar o meio ambiente no território dos homens e na longa história das sociedades (enfim, são as sucessivas sociedades que constroem as sucessivas paisagens como lugar para morar, trabalhar e sonhar…). No caso da região do Pontal do Paranapanema, na porção Extremo-Oeste do Estado de São Paulo, a construção desta paisagem imprime os processos históricos de uso e cobertura da terra que determinam sua condição atual.

Inserida no alto curso do rio Paraná, tendo seu epicentro na divisa entre os três estados (São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul), a região foi extremamente explorada ao longo do século passado, inicialmente pela retirada da madeira e inserção de culturas temporárias e de pastagem e, em especial, a partir da segunda metade do século XX devido ao potencial de seus rios na geração de hidroeletricidade.

Ao analisar o pontal, podemos defini-lo como uma “Mesopotâmia”2 em referência ao sistema fluvial do Tigre-Eufrates no Oriente Médio. O recorte entre a foz do rio Paranapanema no rio Paraná neste trecho, em formato de bico, recebeu a alcunha de Pontal, por isso o nome Pontal do Paranapanema (Figura 1).

Figura 1. Localização Geográfica do Pontal do Paranapanema

Fonte: dos autores.

A grande área inundada para a construção da UHE Engenheiro Sérgio Motta, também foi responsável pelo desaparecimento de uma enorme área que abrigava um notável e complexo ecossistema das várzeas do rio Paraná, de importância ímpar ao Mato Grosso do Sul, equiparando-se ao Pantanal3. Sendo assim, podemos considerar que as mudanças ocorridas nesta paisagem não só modificaram sua identidade, como também dizimaram sua própria história primitiva e seus respectivos povos originais. Neste contexto, utilizaremos a fisiologia da paisagem através da análise geofotográfica para apreensão das unidades básicas diferenciadas, sobretudo, a partir da ação antrópica, com foco na bacia do ribeirão Santo Antônio, no município de Mirante do Paranapanema entendendo os fatores que contribuíram para a evolução paisagística nessa parcela do território paulista.

Desenvolvimento

A fisiologia da paisagem

Introduzida no currículo de bacharelado do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia da USP em 1968, por inspiração do Prof. Aziz Nacib Ab’Sáber, a disciplina Fisiologia da Paisagem propunha três objetivos, conforme consta na Ementa da disciplina:

1. Levar à compreensão da organização, do funcionamento e da dinâmica das paisagens, especialmente as tropicais;

2. Enfatizar o estudo e a análise integrada dos elementos constituintes das paisagens;

3. Compreender e discutir conceitos, leis e influências das ações antrópicas.

Sem obscurecer a grande contribuição do Prof. Aziz, somos da opinião de que as melhores tentativas de compreensão do complexo paisagem, a partir do entendimento de sua estrutura, funcionamento e dinâmica se deram-se a partir da Ciência da Paisagem na ex-URSS (Landschaftovedenie), tendo em Sochava a figura maiúscula na elaboração do modelo teórico geossistêmico, que se valeu de uma longa e contínua evolução epistemológica da Geografia Física Complexa desenvolvida na ex-URSS.

A partir de uma ruptura epistemológica da Geografia francesa, passa-se da “descrição monográfica subjetiva” para o modelo teórico geossistêmico com ênfase para as relações sociedade-natureza, pelo geógrafo Georges Bertrand4.

Inicialmente Bertrand considerava o geossistema como uma das unidades horizontais do terreno: geossistema, geofacies e geótopo. Mais tarde, ele próprio reconhece que o geossistema é tão somente um modelo e, portanto, uma abstração e, passa a definir as unidades de terreno, de forma hierárquica: geótopo, geofácies e geocomplexo.

O modelo geossistêmico bertrandiano é constituído de três subsistemas: potencial ecológico/abiótico, exploração biológica/biótico e ação antrópica.

Segundo Bertrand, os especialistas em ciências naturais e os ecólogos não viam com bons olhos o cômputo da intervenção humana. E o que Bertrand fez, na verdade, foi inserir o antrópico no modelo russo –este limitado aos dois subsistemas: potencial ecológico e exploração biológica-, ou seja, partir do pressuposto de que a “natureza não é natural”, pois, está irremediavelmente impactada pela sociedade.

O fato de a natureza estar impactada –pela sociedade– não cria ao geossistema o compromisso de estudar a sociedade e, sim, o funcionamento do território modificado pela sociedade, portanto, o Geossistema é um conceito antrópico. O Geossistema é um problema ambiental clássico/um conceito naturalista amadurecido. Há outra dimensão ambiental: a paisagem. Como as sucessivas sociedades constroem as sucessivas paisagens para morar, trabalhar e sonhar? É um problema social, econômico e, também, da "vida das pessoas"… Passamos do Geossistema para a história da área, da memória das pessoas.

Atrás da noção de meio ambiente há um modo de ver, de interpretar e de viver o mundo, ao mesmo tempo global e interativo, que supera e impregna toda análise científica. Ele faz parte da cultura contemporânea da mesma forma que as noções de identidade, de patrimônio, de desenvolvimento, de paisagem. O meio ambiente é muito mais do que um conceito científico.

O fenômeno ambiental nasceu da humanização e da socialização. Ele foi primeiramente cosmogônico e religioso. Para compreendê-lo e dominar seu sentido e seus recursos, a ciência e a técnica o dividiram em frações de saber cada vez mais finas e cada vez mais eficientes, até perder de vista a totalidade e a interatividade.

Só tardiamente, ao longo dos séculos XVIII e XIX, por caminhos diversos e nem sempre convergentes, que certos exploradores e cientistas (sociólogos americanos, naturalistas alemães e anglo-saxônicos, geógrafos alemães e franceses, depois ecologistas) sentiram a necessidade, ao mesmo tempo cultural e científica, de estruturar parcialmente aquilo que havia sido separado e de considerá-lo como um todo, primeiramente como uma estrutura, em seguida como um sistema funcional. Houve primeiramente uma concepção naturalista do meio ambiente, no início tendo como objeto as plantas e os animais, em seguida a biocenose, enfim, uma concepção ecologicamente mais elaborada, em parte inspirada pelo conceito de ecossistema. Um limite decisivo foi superado com a consideração da dimensão social e a exploração da interface natureza-sociedade.

A introdução da dimensão social e cultural vem então reforçar e completar a noção de diversidade que não é apenas de ordem biológica. É bem sabido que o meio ambiente de uns não é o meio ambiente de outros e que muitas incompreensões e conflitos nascem desta situação. Aqui, tocamos exatamente um dos pontos mais sensíveis do desenvolvimento sustentável que a pesquisa sobre ou para o meio ambiente não poderá atingir se não seguir um caminho obrigatório através das culturas e das práticas sociais.

A dinâmica da paisagem no Pontal do Paranapanema

Considerando a paisagem como uma entidade global, admite-se implicitamente que os elementos que a constituem participam de uma dinâmica comum que não corresponde obrigatoriamente à evolução de cada um dentre eles tomados separadamente. Somos levados então a procurar os mecanismos gerais da paisagem, em particular no âmbito dos geossistemas e dos geofácies. O sistema de evolução de uma unidade de paisagem reúne todas as formas de energia, complementares ou antagônicas que, reagindo dialeticamente umas em relação às outras, determinam a evolução geral dessa paisagem. Para as necessidades da análise, podem-se isolar três conjuntos diferentes no interior de um mesmo sistema de evolução. Com efeito, eles estão estreitamente solidários e se entrecruzam largamente:

O sistema geomorfogenético tal qual o compreendem os geomorfologistas modernos que insistem no seu caráter dinâmico e biocliomático5;

A dinâmica biológica que intervém ao nível do tapete vegetal e dos solos. Ela é determinada por toda cadeia de reações ecofisiológicas que se manifestam através dos fenômenos de adaptação (ecótipos), de plasticidade, de disseminação, de concorrência entre as espécies ou as formações vegetais etc., com prolongamentos no nível dos solos;

O sistema de exploração antrópica que tem muitas vezes um papel determinante, seja ativando ou desencadeando erosões, seja somente modificando a vegetação ou o solo (desmatamento, reflorestamento…).

O sistema de evolução se define por uma série de agentes e de processos mais ou menos bem hierarquizados. Sem querer desenvolver aqui essa questão, podem ser distinguidos agentes naturais (climáticos, biológicos etc.) que determinam processos naturais (ravinamentos, pedogênese, dinâmica ecofisiológica…) e agentes antrópicos (sociedades agropastoris, florestais…) dos quais dependem os processos antrópicos (desmatamento, incêndio reflorestamento). Se não é nunca fácil apreciar a importância de determinado agente ou de determinado processo isolado, é, no entanto, possível classificar os sistemas de evolução em função dos fatores dominantes (geomorfogenético, antrópico…). É já um primeiro esboço de classificação das paisagens.

As tipologias estritamente fisionômicas (vertente florestal, chapada arenítica recoberto com vegetação de cerrado) ou ecológicas (geossistemas tropicais, atlântico, montanhês.) não deram os resultados esperados. Elas são cômodas, mas carecem de rigor e sua generalização é difícil. A escolha caiu numa tipologia dinâmica que classifica os geossistemas em função de sua evolução e englobando todos os aspectos das paisagens. Esta tipologia, leva em conta três elementos: o sistema de evolução, o estágio atingido em relação ao clímax, o sentido geral da dinâmica (progressiva, regressiva, estabilidade), inspirado na teoria de bioresistasia6.

A história territorial do Pontal do Paranapanema é reflexo da realidade nacional, ou seja, as dinâmicas socioambientais desta região se deram, também, de forma muito rápida, cíclica e pouco duradoura, refletindo nas transformações históricas e na dinâmica atual da paisagem, ou seja, no potencial ecológico, na exploração biológica e nos agentes e sujeitos sociais.

A compreensão dessas dinâmicas apenas será possível a partir da convergência de diferentes perspectivas: estudo sobre o meio ambiente, sobre o desenvolvimento rural, sobre planejamento regional e urbano, e, ainda, sobre as dinâmicas socioambientais e territoriais. Nesse sentido, é preciso desenvolver estudos dentro do contexto econômico e social predominante ao longo da história de ocupação desse território e, sobretudo, termos em consideração as "sucessivas sociedades" e suas relações com o meio, isto é, (1) a degradação do meio ambiente a partir de uma análise integrada: desmatamento-erosão-assoreamento-desperenização dos cursos d´água; (2) a história do uso e da propriedade da terra; (3) dos impactos das grandes obras – hidrelétricas, usinas de álcool e (4) dos reflexos das alterações do potencial ecológico e da exploração biológica sobre a sustentabilidade do desenvolvimento local-regional. O desafio que está colocado para o geógrafo é ‘territorializar’ o meio ambiente e, com isso, tentar superar a análise setorizada, onde as disciplinas e, consequentemente o conhecimento científico, estavam isoladas.

Dos três níveis de tratamento propostos7 no desenvolvimento dos estudos geomorfológicos, o que trata de compreender globalmente a fisiologia da paisagem é o que se identifica mais plenamente com a proposta de nossa pesquisa. O estudo integrado do “sistema natural” envolve problemas de dinâmica e de compartimentação, caracterizados estes na escolha das “unidades elementares da paisagem”. O Pontal do Paranapanema (Figura 2), apresenta uma certa homogeneidade geomorfológica, litológica e climática, que se por um lado dificulta a cartografia das “unidades elementares da paisagem”, uma vez que esta homogeneidade mascara a individualidade da ação dos elementos do meio, de outro, realça a dinâmica do todo, responsável pela individualidade da paisagem.

Figura 2. Imagem Landsat 8 – 28/04/2021, composição RGB 574 (falsa-cor) que se presta para mostrar o uso da terra, com destaque para os reservatórios da UHE de Porto Primavera, no rio Paraná (ao norte) e de Rosana, no rio Paranapanema (ao sul). Aplicando-se um zoom na imagem, percebe-se com maior clareza os cursos fluviais, desprovidos de matas ciliares

Fonte: dos autores.

Essa “homogeneidade”, vai em parte, desaparecer à medida que a exploração antrópica, elimina ou modifica a cobertura florestal e contribui, desse modo, para que os agentes climáticos tenham uma atuação morfogenética mais vigorosa, diversificando a paisagem e criando um verdadeiro mosaico de setores que equivalem a um “mostruário” para o observador. A análise da fisiologia da paisagem no Pontal do Paranapanema tem como recorte geográfico, mais específico, a bacia do ribeirão Santo Antônio (Figura 3).

Figura 3. Bacia do Riberão Santo Antonio - Landsat 8 – 28/04/2021, composição RGB 574 (falsa-cor)

Fonte: dos autores.

A unidade da paisagem e a compartimentação geomorfológica

Os chapadões ocidentais paulistas compreendem uma área de algumas dezenas de milhares de quilômetros quadrados, situada no extremo oeste do estado de São Paulo, a partir de 80-100 km à retaguarda das escarpas arenítico-basálticas e da borda ocidental dos planaltos residuais cretácicos (Serra de Agudos e do Mirante, Planalto de Marília; Serra de Dourados e de Brotas ou Planalto de Dourados).

No extremo-oeste, o relevo regional se traduz por um tipo de arranjo estrutural sob o controle de camadas praticamente horizontais e sub-horizontais, embora ocorra com frequência a formação de escarpas devido à diferente litologia, ao estado de agregação ou à cimentação da rocha. Nas folhas topográficas estas áreas são facilmente identificáveis pelo maior adensamento da rede hidrográfica.

A área ocupada pela Formação Caiuá possui um relevo mais suave, com poucos e pequenos cursos de água, apesar do alto índice pluviométrico. A monotonia do relevo é quebrada pelo aparecimento de morros testemunhos e pequenas escarpas, assim como por morros isolados de pouca altura, formados por cascalheiras – presentes nas proximidades do rio Paranapanema.

No Pontal do Paranapanema a área rebaixada dos chapadões ocidentais paulistas passa a incidir sobre estruturas cada vez mais antigas que a Formação Bauru; a princípio, no Pontal e no extremo Norte do Paraná, são os arenitos da formação Caiuá e depois, os basaltos do Terceiro Planalto Paranaense, que foram afetados pelo rabaixamento erosivo e pela pediplanação neogênicos8. O Morro do Diabo, o Morro Santa Ida e do Três Morrinhos, esses três últimos localizados no município de Terra Rica (PR), são testemunhos da antiga extensão dos arenitos da Série Bauru, ao mesmo tempo que se comportam como relevos residuais do pediplano neogênico, nessa área extremo-oeste dos baixos chapadões ocidentais.

Mesmo reconhecendo que o Pontal possui filiação evolutiva muito direta com a história paleoclimática e paleobotânica Quaternária das áreas ou zonas onde elas se expandiram e de certo modo se fixaram, temos que admitir que os processos morfoclimáticos recentes modelaram em rochas sedimentares sub-horizontais, litologicamente homogêneas, um verdadeiro relevo de feições pouco variáveis. Criou-se uma espécie de mar de chapadões baixos predominantemente florestados, porém dotados eventualmente de “enclaves” de cerradões, cerrados (sul do município de Presidente Bernardes, arredores de Álvares Machado, sul de Sandovalina e de Estrela do Norte) e de cactáceas (Presidente Epitácio, Presidente Venceslau e sobretudo na Reserva do Morro do Diabo (Figura 4).

Figura 4. Exemplar de Cereus sp, localizado na Reserva Estadual do Morro do Diabo, testemunho da ação do paleoclima do período neogênico

Fonte: dos autores.

Em numerosas áreas, próximas do contato entre arenitos e basaltos (proximidade de Planalto do Sul, de Cuiabá Paulista etc.) ou em plenos espigões rebaixados, aparecem cabeceiras em “vales” (nascentes do ribeirão Água Sumida, por exemplo), feições exóticas muito mais vinculadas ao domínio dos chapadões do Centro-Oeste (domínio dos cerrados) do que propriamente associados ao relevo dos chapadões revestidos de matas. Tais domínios ou conjuntos regionais de paisagem morfoclimática, ora do tipo zonal, ora do tipo azonal, não dependem somente da zonação climática atual, mas também dos efeitos acumulados de uma série de flutuações climáticas pretéritas9, que atuaram no território brasileiro, sobretudo a partir dos fins do Terciário.

Assim, podemos aceitar como “policíclico” o modelado físico regional resultante da retomada da erosão em dois ciclos erosivos, o Ciclo Velhas e o Ciclo Paraguaçu; também como poligênico porque foi gerado sob condições climáticas diversas, isto é, condições semiáridas e úmidas alternantes no Plio-Pleistoceno e condições úmidas no Holoceno (Recente e Atual)10.

O modelado semiárido do Plio-Pleistoceno legou à paisagem física atual formas fisiográficas típicas, tais como morros testemunhos, relevos tabulares, paleo-pedimentos (stone-lines), paleo-pediplanos exumados e paleocolúvios (paleotaludes), formas pretéritas de deposição que sob a ação do clima úmido atual, modelaram a compartimentação geomorfológica atual dos chapadões escalonados do Sudoeste Paulista.

No Pontal do Paranapanema é possível distinguir pelo menos quatro tipos de feições geomorfológicas:

1. “Espigão divisor dos rios Paraná e Paranapanema”, compartimento que contém a superfície de cimeira regional. Trata-se de remanescente da superfície sul-americana, esculpida nos arenitos da Formação Caiuá e da Formação Bauru. Na área em estudo, coincide com o topo das cabeceiras dos ribeirões de nascentes próximas à Planalto do Sul e Cuiabá Paulista (ribeirão Água Sumida, ribeirão Cuiabá, ribeirão Nhacá). As nascentes desses córregos se apresentam bastante dissecadas, conforme observadas in loco. É bom lembrar que essas feições são também facilmente percebidas nas imagens de satélite. A expansão recente da dendritificação nas cabeceiras dos pequenos afluentes, nascidos nos espigões mais elevados (remanescentes da superfície neogênica ou de seus relevos residuais, deposição), acompanhou de perto uma extensiva fase de suavização de vertentes.

2. Zona de amplas colinas de nível intermediário (250-500 m), de extensos e aplainados, vertentes com perfis retilíneos e suavemente convexos, drenagem de baixa densidade, padrão subdendrítico, vales abertos – prevalecentes na região.

3. Baixos terraços - superfície com altitudes de 250 metros.

4. Planícies aluviais e de canais anastomosados (entre 240 e 250 metros). Tais planícies de inundação embutidas entre faixas de baixos terraços morfologicamente mal pronunciados, ora se alargam, ora se estreitam. Estão localizadas junto à margem do rio Paranapanema, na margem do rio Paraná, junto à confluência dos rios Paraná e Paranapanema – "Pontalzinho" – e ainda, na curva do Paranapanema, próximo a Teodoro Sampaio, de onde era retirada a matéria-prima (barro/argila) utilizada pelas olarias para a produção de tijolos. Atualmente essa área está inundada pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Rosana.

Os processos morfogenéticos atuais e a fisiologia da paisagem

Os processos morfogenéticos têm suas características definidas pela ação conjunta da compartimentação geomorfológica, das condições geopedológicas, da dinâmica clímato-hidrológica, da exploração biológica e das alterações antrópicas.

Nos itens anteriores abordamos a presença desses elementos da paisagem e, nesse momento passamos a mostrar a fisiologia da paisagem determinadas pela efetiva integração, funcionamento e evolução desses elementos.

A eliminação da cobertura vegetal natural é o início de toda uma fase resistásica. O processo de posse e ocupação das terras do Pontal está ligado ao desmatamento e formação imediata das pastagens. Em muitas glebas, primeiro se plantou o capim, depois criou-se o boi e no final desse processo é que veio o desmatamento, consubstanciando a posse da terra.

Onde a sequência capim-boi-"pastagem"-desmatamento definiu na área core do Pontal uma morfogênese de impactos negativos menos significativos quando comparados às áreas essencialmente agrícolas do município de Mirante do Paranapanema, onde a sequência desmatamento-agricultura-exaurimento do solo-pastagem, determinou um caráter muito mais agressivo dos agentes morfogenéticos.

Nas áreas de ocupação agrícola, os agentes morfogenéticos passaram a se manifestar com grande agressividade, definindo uma dinâmica da paisagem com características de ruptura: erosão em sulcos – que resultaram na formação de inúmeras voçorocas –, erosão laminar intensa, com eliminação dos horizontes superficiais do solo, em intervalo curto de tempo e ainda com assoreamento e desperenização de muitos córregos e ribeirões, de grande importância na dinâmica clímato-hidrológica. A elevação do nível de base regional (rios Paraná/257m e Paranapanema/257m) em função dos reservatórios formados para atender às usinas hidrelétricas da CESP, certamente agrava o processo de assoreamento dos cursos d'água, conforme constatamos nas últimas observações no terreno.

O próprio processo de formação das pastagens somado às condições geo-pedológicas e clímato-hidrológicas da área core do Pontal, impedem uma atuação mais agressiva dos agentes morfogenéticos.

Os solos originados da Formação Caiuá, por exemplo, apresentam horizonte B latossólico bastante profundo, não se observando diferença textural acentuada entre os horizontes A e B, e possuem boa drenagem interna.

Esses aspectos do solo da região favorece a infiltração, sendo, portanto, baixa a capacidade erosiva das águas de escoamento superficial. Isso fica muito claro, quando passamos para áreas onde o solo apresenta horizonte B textural.

Com relação aos dados de densidade hidrográfica, dois aspectos podem ser considerados na tentativa de explicar a fraca associação entre densidade hidrográfica e frequência de ravinas. Um aspecto é que no Pontal predominam formações superficiais fundamentalmente arenosas. O segundo aspecto – que de certa forma é consequência do primeiro – é que, na área em questão, a densidade hidrográfica pode ser considerada baixa, quando comparada com ouras áreas próximas, de ocorrência da Formação Bauru.

A Formação Caiuá apresenta um padrão de drenagem que se caracteriza por cursos d'água de perfil longitudinal retilíneo e alongado, sem afluentes; ao contrário da Formação Bauru, onde os cursos d'água apresentam um perfil longitudinal com arcos e curvas pequenas e inúmeros afluentes, definindo uma densidade hidrográfica mais elevada que atua no modelado de forma mais agressiva. Os geótopos, onde os valores de densidade hidrográfica são mais elevados, apresentam afloramentos do arenito Bauru (alto do espigão divisor dos rios Paraná e Paranapanema: nascentes dos ribeirões Água Sumida, Nhacá, Cuiabá, córrego do Bonito e da Água da Prata, principalmente). O arenito Bauru – menos permeável – constitui nível de base para o lençol de água subterrânea, conforme observamos nessas cabeceiras.

No entanto, ao lado desse quadro geral onde é permitido generalizações desse nível, vamos encontrar algumas unidades menores da paisagem, onde as formas do relevo definem desníveis bastante acentuados e, ainda, outras onde as ações antrópicas interferem de modo mais incisivo, ativando a morfogênese.

Nas nossas observações de campo e entrevistas com moradores e proprietários rurais fica bem claro que a percepção que eles têm da importância de se aplicar técnicas de manejo do solo – curvas de nível, por exemplo –, ou da necessidade e importância da manutenção de matas galerias ou mesma da preservação da Reserva Estadual do Morro do Diabo é muito ruim: eles confessam que a área de reserva deveria ser desmatada e ocupada.

As tentativas esboçadas por alguns proprietários, no sentido de controlar a erosão do solo, são as mais bizarras. Simplesmente eles não recebem orientação técnica agronômica alguma. E como alguns estão conscientes da gravidade da erosão em suas propriedades, recorrem a soluções sem obter resultados efetivos.

Entre as unidades, os elementos da paisagem que chamam a atenção pela ruptura do equilíbrio, e que se encontram em fase resistásica, podemos destacar:

a) as pequenas propriedades (próximas à Planalto do Sul, por exemplo), que são super-exploradas por arrendatários.

b) as obras públicas – rodovias asfaltadas, sem obras de arte adequadas–, conforme observamos entre Planalto do Sul e Teodoro Sampaio e ainda, o asfaltamento de ruas, conforme constatamos em Cuiabá Paulista, tem contribuído para a intensificação da erosão. É a partir das "cabeças de pontes", dos locais de drenagem concentrada das águas pluviais, que se verificam algumas voçorocas de difícil controle. Tal fato é agravado ainda mais pelo fato que a preocupação com essas voçorocas surge apenas no momento em que há interrupção do fluxo rodoviário. E a preocupação é somente com o leito da rodovia.

Em resumo, podemos afirmar que em decorrência dos processos morfogenéticos atuais é possível ressaltar os seguintes aspectos, definidores da fisiologia da paisagem:

No período mais úmido, que coincide com temperaturas mais elevadas, os processos morfogenéticos são agudizados pela ocorrência de precipitações convectivas, muito intensas, em intervalos curtos de tempo.

No período mais seco, a deficiência hídrica do solo atinge pontos críticos, se refletindo de modo negativo nas pastagens e no nível d'água dos ribeirões e córregos. Após a estiagem, as primeiras chuvas é que surpreendem glebas de solos desprotegidos (mesmo em áreas de pastagens), determinando efeitos erosivos intensos.

A erosão laminar (pouco perceptível nas imagens de satélite), é muito evidente quando se percorre as propriedades, sobretudo nas passagens dos topos para as vertentes, e responsável pela eliminação dos horizontes superficiais dos solos.

O ravinamento, como processo mais agressivo de incisão do relevo, aparece dissecando as cabeceiras dos córregos, sobretudo daqueles com nascentes do ribeirão Água Sumida, em decorrência do desmatamento e das pequenas propriedades que aí se encontram num processo intensivo de exploração agrícola. O relevo nesse ponto da bacia do ribeirão Água Sumida, apresenta, além disso, vertentes curtas com inclinação de 8 a 12 graus, agravando a questão.

São nessas manifestações espasmódicas das condições climáticas que a fisiologia da paisagem se revela mais claramente.

Nos momentos de chuvas mais intensas, é muito grave a erosão laminar, que chega a comprometer plantações inteiras, causando sérios prejuízos nas áreas agrícolas onde, certamente, a cobertura florestal teria amortecido o impacto.

Quando as chuvas de primavera-verão são irregulares, com 60-70 dias sem precipitações, define-se um quadro de seca, com implicações graves na fisiologia da paisagem: muitos córregos e ribeirões secam em alguns trechos, as pastagens se mostram frágeis e não resistem, obrigando os fazendeiros a darem maior atenção ao rebanho (onde se registram mortes de reses), a população pobre se desloca para a cidade em busca da subsistência. A região convive assim, com os excessos e a falta de escoamento superficial após a perda da mata original.

O exemplo dessa dinâmica, que mais nos chamou a atenção é o da bacia do alto ribeirão Santo Antônio.

Após retirada a cobertura vegetal, a área foi submetida ao uso agrícola, sem a menor preocupação com um manejo mais adequado às novas condições. A erosão laminar acabou destruindo todo o horizonte superficial do solo, tornando-o impróprio à agricultura. Com a eliminação do horizonte superficial, o solo se tornou mais impermeável, criando um déficit hídrico muito sério, uma vez que a infiltração foi drasticamente reduzida, com efeitos negativos sobre a pedogênese. Surgiram as pastagens, que após 8-10 anos apresentaram uma queda na sua capacidade de apascentamento de 4 a 5 para 0,5 a 1 cabeça por hectare. O assoreamento e desperenização do córrego já estavam muito avançados.

É bom lembrar que estamos nos referindo a uma área onde as condições ambientais (solo, topografia) poderiam perfeitamente ser exploradas por atividades agrícolas, se o processo como se deu a apropriação da área não tivesse atingido tal nível de instabilidade.

Em praticamente toda área estudada observou-se as mesmas condições: córregos e ribeirões rasos, assoreados, com margens destruídas, sem mata ciliar e sem avistamento de exemplares da fauna silvestre. Apesar do trabalho ter sido desenvolvido sempre às margens de rios, poucos peixes ou outras formas de vida aquática foram avistados. Observamos, ainda intenso pisoteio causado pelo gado que, geralmente, tem livre acesso às áreas de preservação permanente (Figura 5).

Figura 5. Alta bacia do ribeirão Santo Antônio em imagem de drone. Percebe-se o leito fluvial está assoreado e quase que totalmente desperenizado

Fonte: dos autores.

Outra observação importante é a de que os córregos estão quase em sua totalidade localizados em áreas de pastagem ou em que determinados períodos são transformadas em pastagens. Isto impede a regeneração da vegetação individualmente, uma vez que o gado come ou pisoteia as poucas plântulas que tentam crescer, impedindo a recomposição dos fragmentos e das matas ciliares.

As figuras 6 e 7, elaboradas a partir da aplicação teórico-metodológica de análise geossistêmica, se prestam para demonstrar as dinâmicas paisagísticas no recorte geográfico da bacia hidrográfica do ribeirão Santo Antônio. A combinação dos elementos naturais associada à cultura dos seus agentes e sujeitos definem processos que se prestam para diagnosticar-prognosticar as transformações históricas e as dinâmicas atuais em cada um dos três segmentos da bacia hidrográfica, objeto desse estudo. A decomposição do todo espacial em suas partes, ou seja, a subdivisão da área em unidades elementares, tem como fim compreender as “descontinuidades objetivas da paisagem”11.

Figura 6. “núcleos de desertificação”/unidade de paisagem em resistasia, retomada por ação antrópica, com potencial ecológico degradado –, podendo ser reconhecidos como verdadeiros geótopos áridos, sem que a pedogênese completasse sua evolução. Em sua gênese, incluem-se fatos ligados a uma predisposição da estrutura geoecológica, na maior parte das vezes acentuada por ações antrópicas

Fonte: dos autores.

Figura 7. áreas de vegetação residual em biostasia subclimácica e paraclimácica – nessas áreas, o potencial ecológico se mantém praticamente estável e em equilíbrio com a exploração biológica, embora esta se apresente sensivelmente alterada pela ação antrópica, principalmente de sua composição florística e da fauna. Embora o potencial ecológico dessa unidade não tenha sido alterado, ele não oferece condições muito favoráveis ao ressurgimento da biota tropical, nos geótopos de onde ela foi eliminada. Certamente, a fase mais favorável – “otimum climaticum” – para o ressurgimento natural da mata talvez tenha passado

Fonte: dos autores.

Partindo dos elementos fornecidos pela pesquisa, é possível uma classificação das unidades componentes da paisagem, na bacia do ribeirão Santo Antônio, em função de uma tipologia dinâmica e da fragilidade dos equilíbrios morfo-pedogenéticos, nos seguintes tipos (figura 6):

Durante a última glaciação quaternária, a vegetação de mata de alguns geótopos foi mais lesionada e até mesmo eliminada e que, na fase pós-glacial, embora tenham ocorrido intervalos de “otimum climaticum” favoráveis à biota tropical úmida, não houve tempo suficiente para o desenvolvimento da pedogênese. Quando as ações antrópicas eliminaram a cobertura vegetal, o suporte geoecológico revelou sua natureza de sedimentos (sedimentos cenozóicos) não pedogeneizados. A dinâmica atual observada nesses “núcleos de desertificação” – sob o clima tropical úmido – revela que a pedogênese é parcialmente anulada pela morfogênese.

No entanto, nas condições biogeográficas atuais – tanto do potencial ecológico, quanto da exploração biológica – se não ocorrerem novas intervenções antrópicas, é possível que essas biotas evoluam para uma dinâmica climácica (plenitude da biostasia), mesmo sofrendo alterações na composição florística. O desequilíbrio deu-se quando a ação antrópica se fez presente.

Algumas dessas áreas florestadas estão mais bem conservadas (subclimácicas), enquanto outras sofreram uma modificação parcial da exploração biológica (paraclimácica) (figura 7).

Considerações Finais

No Sudoeste Paulista, a ocupação, a princípio motivada pelo avanço do café e da ferrovia, no início do século XX, é “redefinida” a partir do uso das terras areníticas e terá na cultura do algodão – a partir dos anos 1940 – a sua maior motivação. No extremo Sudoeste/Pontal do Paranapanema, o caráter de apropriação ilegal das reservas florestais, caracterizou-se por elevada agressividade, onde o desmatar foi a única forma de “legitimar” a posse.

O nosso objetivo maior foi o de entendermos os dinamismos de cada parcela e de suas relações com os contextos socioeconômicos e políticos nacionais, até porque, são regiões comandadas por decisões externas. Estamos muito próximos da realidade ao afirmarmos que o Pontal do Paranapanema, no conjunto, apresenta-se como um espaço de baixa fluidez, de lentidão e opaco.

As análises das imagens satelitares, os registros fotográficos, as observações sobre o terreno, as entrevistas etc. se prestam melhor – acreditamos – à explicitação dos processos evolutivos do que o tratamento numérico. O processo de ocupação de cada uma das parcelas se deu diferentemente: no tempo e na forma. Essa herança ficou plasmada na paisagem atual, malgrado o curto período de atuação dos agentes. Vale destacar que:

• Nas áreas de ocorrência do Caiuá, os vales são abertos, as águas mais espraiadas. Essa morfologia do relevo, associada à dinâmica das águas fluviais, ficou totalmente à mercê do processo de erosão, transporte e sedimentação, interferindo na fisiologia da paisagem, notadamente pelo assoreamento e desperenização aguda dos pequenos cursos fluviais.

• Nas áreas de relevo mais rugoso (topos) estão estreitamente relacionadas à ocorrência do arenito Bauru carbonatado. Os primeiros pioneiros – menos preparados tecnicamente e economicamente – ocuparam essas áreas mais elevadas, autênticas “bocas-do-sertão”, resultando no caráter muito agressivo de lesionamento da paisagem.

Referências Bibliográficas

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1 Bolòs i Capdevila et al., 1992. Passos, 2006.

2 Passos, 1988.

3 Dias, 2003.

4 Bertrand, 2009.

5 Tricart, 1979.

6 Erhart, 1955.

7 Ab’Saber, 1969.

8 Ab’Saber, 1969.

9 Ab’Sáber, 1957; 1969; 1977. Cailleux y Tricart, 1957. Tricart, 1979.

10 Landim, Soares, 1976. Jabur y Santos, 1984.

11 Bertrand, 2009.